-Estou à porta daqui a quinze minutos. E desligou.
A desastrosa combinação de vários whiskies no hotel depois de ter bebido uma considerável quantidade de champanhe na insanidade nocturna, resultaram numa sensação de perda de memória, e um peso bem acima do normal sobre os ombros. Aos poucos levantei a cabeça com receio que esta resvalasse pelo pescoço, já me lembro de onde estou.
A perspectiva de um passeio de barco pela Costa Brava, assemelhava-se a um filme de terror. Um quarto de hora depois do telefonema de Ferran, estava na entrada do hotel, desperto por um banho e a tentar afogar a ressaca num litro de água mineral com sabor salobro e duvidoso.
Reparo que há uma mulher de chapéu com abas largas num vestido curto azul-marinho, segura um copo da starbucks na mão e dirige-se para mim, tira-me os óculos de sol, e só nesse momento reparo que se trata da nova parceira do grupo, Kate a norte-americana.
-Que noitada! Segura aqui no meu café… Vasculha na mala por algo e lá encontra uma bisnaga no meio do caos, com grande lata passa o dedo com creme pela zona inchada abaixo dos meus olhos.
-o que é isso?
-Hemorrhoid cream! E mostra um sorriso bem traquina no rosto que é novidade para mim. - Para ficares mais bonito!
-Mais bonito é impossível! Isso não é perigoso?
Nem parece a mesma pessoa que ontem ao almoço perguntou emproada no seu ar de superioridade, se Portugal era uma província de Espanha ou de Marrocos. Pousei os talheres na borda do prato com toda a calma do mundo, mas Ferran receoso da resposta que podia sair da minha boca, interrompeu-me antes de eu ter tempo de limpar qualquer vestigio de peixe ao guardanapo, e explicou que Portugal e Espanha eram países fronteiriços, com um passado por vezes comum, mas com cultura e línguas distintas. E então ela pediu para eu dizer algumas palavras em português.
Bebo um trago de vinho antes de começar, el catalã respira fundo, acho que consigo ver pequenas gotas de suor a crescer na sua testa!
“(…)-Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...
Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena...”
E continuo a comer, deliciando-me com um linguado grelhado que só sentiu o sal. Voltamos a falar durante a tarde, concordando com as mesmas ideias, sem discutir mais nada para além de trabalho.
Quem diria que na manhã seguinte à porta do hotel protegidos na sombra do toldo, ela estaria preocupada com a minha aparência. Ferran trava bruscamente, parando no meio da rua, apita causando estardalhaço. Seguro a porta do carro e ela senta-se no lugar da frente. No banco de trás já se encontra a secretária do “tcheco”, Táňa.
- Lá vou eu prevaricar! Reclamo, o carro não é suficientemente largo para me manter a uma distância mínima de três metros dela, e curiosamente não parece nada aborrecida com isso. Cumprimenta-me com dois beijos, passando a mão pela barba que não tive tempo de aparar.
Ferran possui um veleiro com 14 metros de envergadura, fala nisso constantemente quando estamos juntos, sempre que a conversa não é “gajas”, talvez seja um sintoma de SPP!
Como o tempo está favorável para a vela, vamos passar o domingo a passear junto à costa. As senhoras estão a bronzear-se na parte da frente do convés, nós os três ficamos na área dos homens, a beber cerveja (eu continuo a água!) e a contar os mais ínfimos pormenores da noite de ontem, começo a ficar enojado, é quase como ir ao Bagdad ver sexo ao vivo. Sou salvo pelo aceno de Táňa no seu micro biquíni, que pede para lhe colocar protector solar nas costas. Quando termino pergunto à Kate se também quer, ela diz que não precisa mas oferece-se para pôr em mim. E sento-me na frente dela, de costas voltadas, sinto o primeiro contacto frio com o líquido e depois as mãos quentes dela a massajarem, carinhosamente.
-Perguntei a Ferran se tinha entendido alguma coisa do que me disseste ontem em português. Só sabe dizer que não foste mal educado!
-Foi um excerto de um poema de Álvaro de Campos. E traduzo para um inglês limitado em palavras.
Táňa que está atenta à conversa pergunta como se diz: vamos dar um mergulho?
E vamos, eu salto primeiro, mergulhando de cabeça, depois salta ela dando gritinhos histéricos, afugentando os tubarões. Ferran na proa inclinado faz troça quando ela me abraça dentro de água e faz intenções de se enrolar em torno de mim como uma moreia diabólica.
-Queres que te atire a bóia de salvação monogâmica?
Mas o Jurgen já bebeu demais para ser atirado ao mar.
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