terça-feira, 20 de setembro de 2011

T de títere

As lágrimas rolavam-lhe pelo rosto, numa voz sumida apenas disse para a levar a casa, e eu levei. Fechou a porta sem olhar para mim, ignorando-me. O que é que eu fiz? Perguntei mais uma vez. Dois dias depois voltei, sem chamadas atendidas ou mensagens respondidas, voltei achando que a reconquistava. Abriu-me uma frincha da porta, deixando-me ver apenas uma ínfima parte do rosto, o lábio com sardas… as longas pestanas. Pedi para entrar, rastejei, queria vê-la, absorver aquele odor colado, sentir a pele macia sob os dedos, e os lábios… os lábios onde me perdia desejando morrer neles. Viciado nela não lhe larguei a porta até que me deixou entrar, mas afastando-se sempre, desviando o olhar, as mãos ocupadas ou abraçando-se, cruzando-se no seu corpo, fechando-se a mim. Não me faças isto, implorei tentando alcança-la, e em soluços ela disse. Sai. Desaparece.

Acordei na tarde do dia seguinte num quarto de hotel, a luz mal entrava pelo reposteiro pesado, não me lembrava de como ali tinha ido parar, num resquício de memória saia de casa dela e parava num bar. Depois disso só o sabor do álcool. Ao meu lado na cama uma mulata de pele brilhante levantava-se e procurava as roupas espalhadas pelo chão sorrindo para mim. Quinhentos… disse antes de sair. Merda!

Dezoito chamadas não atendidas. Nenhuma de quem eu queria. Paguei o quarto ignorando o sorriso malicioso do gerente que perguntava se estava satisfeito com o serviço extra, pedi-lhe que me chamasse um táxi, e deixei a cabeça descair no banco. Um número privado surgiu no ecrã e atendi na esperança que fosse ela, mas não era. Onde estás? O que te aconteceu? Bombardeou. Não me apetece falar. Respondi. Vou ter a tua casa. E desligou.

Entrei na água fugindo das palavras, mas elas seguiram-me. Sentou-se no tampo da sanita e continuou a encher-me a cabeça com elas. Fechei os olhos e esperei que desistisse, refugiando-me num pensamento distante, sustido no liquido que o chuveiro debitava… Duas chávenas de café depois estava acordado e deixava-me ir puxado pelo braço. Tens de comer alguma coisa, dizia em tom maternal. Tens falado com ela? Perguntei sabendo que a resposta seria sim, mas que o conteúdo me era interdito.
Espalhei o jantar pelo prato e despejei o resto do copo largo pela garganta, sentindo o efeito turvo anestésico do vinho. O arroz não me sabia na boca. Ela tinha planos para a noite mas não me queria deixar, resoluta em salvar-me voltou a arrastar-me com ela mas desta vez para o centro do tornado. Não tinha vontade própria, um títere, ora levantando um braço preso a um engonço invisível comandado pela bebida, ora caminhando um pé à frente do outro, pela ordem que ela queria.

Abanou-me ligeiramente, tinha adormecido com a cabeça pousada em cima do aro da sanita vomitado. O cheiro era indescritível, mas a dor que sentia e que se propagava de forma persistente por todo o corpo, atenuavam os sentidos. Ela estava sentada no rebordo da banheira, o cabelo em desalinho, a pintura dos olhos borratada e um ar preocupado. Como é que vim aqui ter? Perguntei, enquanto me içava apoiando-me no bidé. Sentei-me na tampa e deixei a cabeça tombar para trás até encontrar a parede. O porteiro ajudou-me a trazer-te. Estás bem? Estendeu-me um cigarro que acendeu nos lábios sem batom. Nem por isso… o que é que aconteceu? Não te lembras de nada? Quase nada… jantamos e depois fomos a uma festa, lembro-me do jantar. A sensação era de nunca ter abandonado a casa de banho.
Não te lembras da festa, foste o animador principal! Dançaste com quase todas as mulheres que lá estavam, enrolaste-te com umas quantas pelos cantos escuros, mas nada se compara ao show de striptease que deste junto à piscina… Show de striptease? Não me lembrava de nada, uma outra cara estranha sem nome, vestidos curtos provocantes, bebidas à descrição e a mistura fatal de umas quantas. Não me lembro de nada… diz-me que não despi os boxers! Completamente nu.