quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

mosca I

Melech ha-Melachim, O Rei dos Reis, mais conhecido por Deus, foi acordado de madrugada pela oração da manhã, Schacharit. Procurou o telemóvel para se certificar das horas, confuso pela difusa claridade que lhe chegava das janelas.
-Maldito judeu que não tem palha na cama! Deve julgar que toda a gente tem a vida dele…
Aplacou o travesseiro por cima da nuca abafando a prece e adormeceu, regressando ao sonho transmutado em sátiro, rodeado por delicadas ninfas que lhe afagavam o órgão sexual de dimensões bem acima da média.
O judeu continuou, compenetrado, sentado na poltrona de pernas cruzadas. Rezar era a sua única esperança, mais ninguém o podia ajudar a não ser o próprio Criador. As orações prosseguiram ao longo do dia, Minchá como é conhecida a da tarde, e terminou exausto com a última, Arbit, a oração da noite, tão completa como a da manhã.
Vendo a veemência com que o judeu rezava, Deus ficou preocupado com a possibilidade de ser arrancado a um sonho na madrugada seguinte. Pousou o driver, uma madeira que serve em geral para bater a bola do tee em buracos compridos, e resolveu prestar atenção às suas preces. A primeira reacção foi de ira, sentiu-se ridicularizado e insultado e repreendeu o judeu.
- Yah!… Rogo-te para que me ouças com atenção! Pediu o judeu temendo o Poderoso.
-Eu ouço tudo judeu, e o que ouvi é que queres que te transforme numa mosca durante o shabat.
-Mosca macho de preferência!
-Só podes estar louco ou enfeitiçado pelo rum, ou então estás a fazer pouco de mim…!
-nada disso Yah! O que me faz pedir que me transformes em mosca é um motivo tão válido como outro qualquer, mas terás de confiar na minha palavra, pois os meus intentos só depois serão revelados.
- Tu brincas comigo judeu, sabes que a minha curiosidade suplantará a racionalidade do teu pedido. Pois seja, concedo que sejas uma forma simples de mosca durante o próximo sábado, quero ver até que ponto pode ir a tua astúcia!

E assim foi, mal o sol se pôs na sexta-feira, dando início ao shabat, o judeu que estava quase nu deitado no sofá, transformou-se numa Calliphora vomitória, que é o mesmo que dizer, uma varejeira. Instintivamente bateu as asas e embateu na primeira janela que tinha pela frente. Meio zonzo, o judeu esticou as seis patas, uma de cada vez antes de agitar as delicadas asas. Voar não era assim tão fácil como parecia, mas tinha grande parte da noite para exercitar, só tinha de estar em Lisboa por volta da hora do almoço.
Antes de sair de casa mirou-se ao espelho, e gostou dos pêlos bem negros penteados para trás, que lhe cobriam parte da cabeça e do segundo segmento do corpo. Os reflexos azuis metálicos do abdómen bem definido, deixavam-no confiante para encarar o encontro, e depois de esfregar as patas pelas asas e pelos delicados olhos facetados laranja, levantou voo rumo ao primeiro obstáculo: A porta! Ao fim de uns minutos o judeu entendeu que tinha de começar a pensar como uma mosca, e que as moscas entram pelas janelas, e foi então que se lembrou das janelas da cozinha, sempre ligeiramente entreabertas.

Uma nortada tomou-o de ponta, mesmo o bater energético das suas poderosas asas, nada podiam contra aquela força e deixou-se transportar, percorrendo Matosinhos em poucos minutos, até esbarrar contra uma composição do metro a caminho da trindade. Procurou abrigo numa das reentrâncias, e deixou-se ir à boleia até Campanhã. Afinal ser mosca até tinha as suas vantagens, o judeu já só pensava que se fosse mosca toda a vida, nunca mais teria de pagar bilhete e podia viajar para qualquer lado. A desvantagem, é que uma mosca não vive mais de trinta dias. Confortavelmente instalou-se no alfa sob a alça de uma mala preta, e dormitou até à estação do Oriente, sonhando com coloridos sacos de lixo, fezes de cão e peixe podre de olhos opacos.

Agora só precisava de as encontrar no parque das nações, o que não seria de todo complicado porque tanta mulher junta, sempre faziam grande algazarra! Lá estavam elas adiante, mais uma vez aproveitou um reflexo de uma montra e certificou-se que estava apresentável para mosca. Esvoaçou o mais silencioso que conseguiu, poisando sobre os óculos de sol que seguravam as madeixas da mais faladora do grupo.
O propósito de toda aquela aventura era desvendar o maior de todos os segredos da humanidade: de que tanto falam as mulheres quando se juntam! Que inconfessáveis segredos partilham, será que falam dos homens, de roupa, de comida, trocam receitas, conselhos, anedotas? Esta dúvida atormentava o judeu desde tempos imemoriais, ele que venerava as mulheres, que as via como deusas em pedestais, que tudo queria saber sobre elas, não sabia o que falavam quando se juntavam à volta de uma mesa, para partilhar uma refeição de batatas recheadas.
Mas um odor elevou-se nos ares, captando por completo a atenção do judeu. Uma nuvem de feromonas atraia-o, já sentia o que pensava ser os seus genitais de mosca tremerem de excitação. Uma varejeira fêmea de dorso esverdeado, com reflexos estonteantes passava por ele a grande velocidade. Monto-a como se monta uma lambreta!

Já escrevia Saramago “…é a grande, interminável conversa das mulheres, parece coisa nenhuma, isto pensam os homens, nem eles imaginam que esta conversa é que segura o mundo na sua órbita, não fossem falarem as mulheres umas com as outras, já os homens teriam perdido o sentido da casa e do planeta.”

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

devaneio...

Diz-me, quando te deitas, antes que o sono te embale e tome conta dos teus sentidos, voltas o teu ventre no lençol, e os teus dedos descem ligeiros pelo meio das pernas e procuram o prazer? Imaginas então que esses dedos não são os teus, mas sim os meus e que te deixam tocada pela humidade, para que a minha língua vá ao teu encontro, percorrendo os seios, mal parando sobre eles, sôfrega pelo teu sabor mais intenso a sul, como um mar que desagua nas coxas. E prendes-me, agarras-me pelo cabelo, puxando-me ao teu encontro até quase te vires. É assim que me vês enquanto te acaricias? aninhado nas tuas pernas, perdido no teu cheiro? Prolongas o prazer até ao ponto em que pedes a profundidade da minha virilidade, cuidas sentir as minhas investidas ofegantes, aceleras o ritmo, cerras os olhos e ouves a minha respiração sobre ti… e vens-te.

sábado, 14 de janeiro de 2012

a rapariga do quadro

Caminha descalça na ponta dos dedos, passos ensaiados de liberdade, atravessando-se à minha frente com a naturalidade fluída de um pássaro, ignorando-me uma e outra vez. Usa apenas um vestido solto quase transparente, de decote cheio onde os meus olhos se prendem, uma linha fina desenhada a pincel cruza o ombro segurando o peito.
Chamo por ela sem a chamar, não há um nome que a identifique, que se ligue ao seu rosto, e senta-se no meu colo como uma menina pequena, de pernas suspensas no ar. E os meus dedos acariciam-lhe o pescoço e a linha onde o rosto termina, uma pele incrivelmente branca e macia, os lábios com cieiro não produzem palavras. Deslizo as tiras de cada lado dos ombros, fazendo-as cair pelos braços, deixando a nu o seu peito duro como se fosse uma estátua de bronze quente ao toque na ponta dos meus dedos, exposta ao sol. Inclino a cabeça sobre ela e a minha boca prova-lhe o sabor da pele, não sabe a metal, nem a suor, não sabe bem nem mal, simplesmente não tem sabor, insípida e morna. Passeio a mão por ela até as pernas, depois subo o vestido, entrando os dedos nela, sentindo-a húmida, tensa, completamente abandonada em mim.
Não conseguia deixar de me questionar quem era aquela mulher, de rosto enigmático, conhecido mas sem nome, e aqueles lábios maltratados, secos, gretados num rosto tão jovem. Acordei encharcado em suor, ao meu lado ela dormia. Mas não era ela que estava sentada no meu colo, inclinada enquanto eu a acariciava, mordendo os lábios e cerrando os olhos enquanto pendia a cabeça para trás.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

famigerado sortudo...


Quando ela gritou naquela pronúncia doce da Maia: “quem está a seguir?! “Olhou para mim e eu não reagi de imediato. Ainda me encontrava amarrado ao mastro, hipnotizado pelo seu canto. Senti uma cotovelada da velhinha ao meu lado, agitada pelo frenesim típico de um domingo de manhã. Fiz o meu pedido, quatro solitários pães bem cozidos e avancei na fila, quando ela se voltou, mantendo a mesma energia que me deixara cativado desde o primeiro momento, o olhar voltou ao sítio onde eu já não estava, ocupado agora por um sexagenário de pêlos a saírem pelo nariz, deixando-a meia desorientada, acenei-lhe no início da fila: estou aqui! Querendo antes ter dito, aqui me tens, sou Romeu e todo teu! O rosto dela enrubesceu, e se eu já a achava uma deusa, o impulso foi prostra-me a seus pés, implorar um beijo daqueles lábios, beber um pouco daquele mel. 

“É só?” Disse estendendo o famigerado saco do pão. Deu-me o troco sem desfazer o sorriso, desejando um bom domingo. Seria se ela o passasse comigo. Os domingos são solitários, os piores dias da semana, toda a gente tem onde ir, ou levar os miúdos à piscina, receber a família em casa, ir à missa… não há copos, amantes, noitadas de jogo… 

Mas aquilo que eu via estampado no rosto dela era algo diferente, quase raro nos dias de hoje, tão raro que me deixava desarmado, rendido, insano, completamente embriagado. Aquilo era amor… pura paixão, daquela capaz de mover montanhas, derrubar governos, a cura para todos os males… lá porque raramente o sinto, não penses que não o distingo… Meu Deus, pensei, há um sortudo que é somente a razão de toda aquela luz… um homem merecedor daqueles lábios, que habita em constância o seu pensamento, e que a leva a manter um sorriso, um olhar de brilho intenso, perfume inebriante, ansiosa pela hora em que sai do serviço e o encontra à porta, pacientemente à espera, mãos suadas ansiosas, que se escondem nos bolsos.

A cada pedaço de pão penso nela… vai ser um domingo cinzento, espero que pelo menos chova.

sábado, 5 de novembro de 2011

knockout

O primeiro golpe acertou-me na cara, senti a dureza dos nós dos dedos calejados de socarem, embaterem no meu maxilar barbeado. Desequilibrei-me mas não cheguei a cair.
Estava a sair do elevador quando um tipo de dois metros se aproximou a perguntar se eu era o Romeu. Nunca pensei que era o marido da minha secretária, aquela que eu andava a comer… nem sabia que ela era casada, muito menos com um gorila. Uma mulher daquelas!… esperava que tivesse melhor gosto.

O sabor do sangue inundou-me a boca em segundos. Amaldiçoei de imediato a honestidade da minha resposta… Se um gajo de dois metros de altura e três metro e meio de envergadura pergunta se somos fulano tal, era fácil de responder… “não conheço, não faço ideia quem seja esse palhaço!”.

O segundo golpe foi cirúrgico, ainda estava a recuperar do primeiro e ele já me assentava mais um na zona entre o fígado e a costela flutuante. É uma dor difícil de descrever, ou que se descreve simplesmente por ser a DOR… agonizante… começa num pico e estende-se por tempo indeterminado. Sustive a respiração, os joelhos cederam e levaram-me ao chão. “Knockout” gritou o árbitro ao centro do ringue enquanto eu ia ao tapete. Cerrei os dentes para conter um lamento em frente de todo o departamento criativo do sétimo andar.

O armário com pernas chamou o elevador e pôs-se a andar sem que ninguém ousasse bloquear-lhe a saída... Foi nesse momento que tive a confirmação que não era propriamente adorado! Cuspi o sangue que me ia enchendo a boca e certifiquei-me que os dentes ainda estavam no sítio. A sensação que tinha era que metade da cara tinha viajado até ao extremo do piso, embatido na parede de betão e voltava em ricochete pela violência do impacto, e à medida que a dor abdominal se ia tornando mais ténue, todo o lado esquerdo da face duplicava o volume. Sentei-me para analisar a situação, aos poucos a respiração normalizava, mas continuava dobrado. Tinha sangue espichado pelo casaco cinza claro e na camisa branca.

Uns saltos em pele de cascavel pararam ao meu lado comunicando que a reunião se mantinha para a mesma hora. Se ela usasse uma capa negra ondulante pelas costas, não a distinguia do Lorde Darth Vader. Eu continuava no chão, no meio do átrio dos elevadores, de orgulho espezinhado. Depois acrescentou que já tinha ligado para os recursos humanos, até contratarem alguém para o lugar, a assistente dela acumulava o meu secretariado.

-Sabes se é casada? Perguntei…
-Não sou casada, mas sou cinturão castanho em judo… respondeu assertiva uma voz atrás de mim. Voltei-me, uns saltos mais modestos seguravam umas longas pernas esculturais até se perderem de vista num vestido curto. A custo levantei-me para a cumprimentar.
-Castanho é antes do preto?
-Castanho é antes do negro… Respondeu num tom sério que condizia com o seu aspecto disciplinado, cabelo apanhado num rabo de cavalo, e estendeu-me um saco com gelo. -E aviso já que escusa de desperdiçar o charme comigo…

A cascavel Darth Vader estava simplesmente siderada, rejubilava no seu mundinho, tentando a todo o custo esconder os sinais orgásticos que toda aquela situação lhe provocava. As suas calcinhas rendadas, visíveis pela justeza da saia, deviam estar encharcadas…. Soltou um risinho maquiavélico, perguntei-lhe de que parte do corpo tinha tirado a pele para fazer os sapatos… Ainda hoje não entendo se sente um fraquinho por mim, ou se me odeia com todas as suas forças.

Dez minutos depois a assistente de pernas longas batia à porta do meu gabinete, estava a trocar de camisa quando entrou com as pastas da campanha.
-Quer que volte mais tarde?
-Não me diga que não está habituada a ver homens em tronco nu no judo?
-Isso está feio… disse apontando para a zona abaixo da ultima costela, mudando o rumo da conversa. -Pode ter partido, talvez seja melhor ir ao médico…
- Se estivesse partido era capaz de ter mais dores…
-Por acaso tem ar de quem está com dores, está meio inclinado para a direita… posso ver?
-Estou sempre inclinado para a direita, é para compensar o peso que está mal distribuído… Ela corou pela minha provocação e depois sorriu.
Tocou-me, primeiro com delicadeza, depois tentou sentir a costela e contive-me para não demonstrar as dores.
-Não parece partida, é melhor fazer um pouco de gelo… vou buscar outro saco.

Deitei-me no sofá e fechei os olhos, finalmente sabia o que sentia uma pessoa que acabara de ser atropelada por um camião… devo ter adormecido por uns instantes porque não dei pelo seu regresso. Só senti os dedos passearem pelos meus lábios, e depois os lábios dela, entreabertos permitindo que a minha língua entrasse curiosa e gulosa pelo sabor da sua boca.

Nos corredores já se faziam apostas… quanto tempo é que ela ia aguentar!
Uma semana depois do espectáculo de luta livre no átrio dos elevadores, uma nova funcionária com setenta anos ocupou o lugar da minha secretária… e outra ligeiramente mais nova foi substituir a assistente da chefe cascavel, que ainda não tinha recuperado do susto e bufava por todos os lados. A minha influência junto da administração permitiu que aquele belíssimo par de pernas continuasse na empresa, mas noutro departamento, noutro edifício, longe dos meus impulsos… mesmo depois de termos sido surpreendidos pela chefe na sala de reuniões, a experimentar a mesa nova!

Lá se vão as apostas!

terça-feira, 20 de setembro de 2011

T de títere

As lágrimas rolavam-lhe pelo rosto, numa voz sumida apenas disse para a levar a casa, e eu levei. Fechou a porta sem olhar para mim, ignorando-me. O que é que eu fiz? Perguntei mais uma vez. Dois dias depois voltei, sem chamadas atendidas ou mensagens respondidas, voltei achando que a reconquistava. Abriu-me uma frincha da porta, deixando-me ver apenas uma ínfima parte do rosto, o lábio com sardas… as longas pestanas. Pedi para entrar, rastejei, queria vê-la, absorver aquele odor colado, sentir a pele macia sob os dedos, e os lábios… os lábios onde me perdia desejando morrer neles. Viciado nela não lhe larguei a porta até que me deixou entrar, mas afastando-se sempre, desviando o olhar, as mãos ocupadas ou abraçando-se, cruzando-se no seu corpo, fechando-se a mim. Não me faças isto, implorei tentando alcança-la, e em soluços ela disse. Sai. Desaparece.

Acordei na tarde do dia seguinte num quarto de hotel, a luz mal entrava pelo reposteiro pesado, não me lembrava de como ali tinha ido parar, num resquício de memória saia de casa dela e parava num bar. Depois disso só o sabor do álcool. Ao meu lado na cama uma mulata de pele brilhante levantava-se e procurava as roupas espalhadas pelo chão sorrindo para mim. Quinhentos… disse antes de sair. Merda!

Dezoito chamadas não atendidas. Nenhuma de quem eu queria. Paguei o quarto ignorando o sorriso malicioso do gerente que perguntava se estava satisfeito com o serviço extra, pedi-lhe que me chamasse um táxi, e deixei a cabeça descair no banco. Um número privado surgiu no ecrã e atendi na esperança que fosse ela, mas não era. Onde estás? O que te aconteceu? Bombardeou. Não me apetece falar. Respondi. Vou ter a tua casa. E desligou.

Entrei na água fugindo das palavras, mas elas seguiram-me. Sentou-se no tampo da sanita e continuou a encher-me a cabeça com elas. Fechei os olhos e esperei que desistisse, refugiando-me num pensamento distante, sustido no liquido que o chuveiro debitava… Duas chávenas de café depois estava acordado e deixava-me ir puxado pelo braço. Tens de comer alguma coisa, dizia em tom maternal. Tens falado com ela? Perguntei sabendo que a resposta seria sim, mas que o conteúdo me era interdito.
Espalhei o jantar pelo prato e despejei o resto do copo largo pela garganta, sentindo o efeito turvo anestésico do vinho. O arroz não me sabia na boca. Ela tinha planos para a noite mas não me queria deixar, resoluta em salvar-me voltou a arrastar-me com ela mas desta vez para o centro do tornado. Não tinha vontade própria, um títere, ora levantando um braço preso a um engonço invisível comandado pela bebida, ora caminhando um pé à frente do outro, pela ordem que ela queria.

Abanou-me ligeiramente, tinha adormecido com a cabeça pousada em cima do aro da sanita vomitado. O cheiro era indescritível, mas a dor que sentia e que se propagava de forma persistente por todo o corpo, atenuavam os sentidos. Ela estava sentada no rebordo da banheira, o cabelo em desalinho, a pintura dos olhos borratada e um ar preocupado. Como é que vim aqui ter? Perguntei, enquanto me içava apoiando-me no bidé. Sentei-me na tampa e deixei a cabeça tombar para trás até encontrar a parede. O porteiro ajudou-me a trazer-te. Estás bem? Estendeu-me um cigarro que acendeu nos lábios sem batom. Nem por isso… o que é que aconteceu? Não te lembras de nada? Quase nada… jantamos e depois fomos a uma festa, lembro-me do jantar. A sensação era de nunca ter abandonado a casa de banho.
Não te lembras da festa, foste o animador principal! Dançaste com quase todas as mulheres que lá estavam, enrolaste-te com umas quantas pelos cantos escuros, mas nada se compara ao show de striptease que deste junto à piscina… Show de striptease? Não me lembrava de nada, uma outra cara estranha sem nome, vestidos curtos provocantes, bebidas à descrição e a mistura fatal de umas quantas. Não me lembro de nada… diz-me que não despi os boxers! Completamente nu.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

mojitos e ovos cozidos ou sway III

O fumo do cigarro sobe no ar fresco, estou à espera dela. Há quase trinta minutos que deixou a casa de banho e entrou no quarto, e ainda não está pronta. Há uma senhora sentada no prédio em frente, parece abandonada nela mesma, sem reacção, aceno-lhe e ela responde voltando ao mesmo estado de inércia. Já parou a chuva que nos surpreendeu na montanha, estava a dormir tão bem com a cabeça caída sobre o ventre dela, fazia-me caricias entrelaçando os dedos pelo cabelo, quando a trovoada anunciou o dilúvio e foi correr até ao teleférico. Mas foi bom, as roupas encharcadas coladas aos corpos arrepiados, deram azo a um momento tórrido enquanto esperávamos pelo comboio.
A minha bagagem tinha sido entregue no hotel, no dia seguinte voltava para casa. Mas entre o dia seguinte e aquele momento, tínhamos uma noite quente pela frente e depois de tomar um banho e trocar de roupa, estava ali à espera dela, de fato e camisa lavada.
Bateu ao vidro da varanda, o meu queixo quase caiu e com ele o cigarro quase me queimou. Estava fantástica, glamorosa e deliciosa num vestido preto que cruzava à frente. Apeteceu-me devora-la e só não o fiz porque ela travou a porta e fez-me prometer que só depois de lá chegarmos é que me deixava senti-la toda com a língua.

Apesar da fila que se formava à porta do Opera Louge Bar, escusado será dizer que mal chegamos os seguranças fizeram sinal para entrarmos. Aparentemente é igual em todo o lado, ter bom aspecto e ar de quem vai consumir e por isso, desembolsar, é prioritário!
O espaço é imenso e a transbordar sensualidade. Cabines de duche onde raparigas em roupa interior se rebolam umas nas outras provocando os rapazes, dançarinas em gigantescas taças com água, bem acima das nossas cabeças e salinhas privadas com sofás e cortinados pesados mas que deixam transparecer vultos que me vão dando ideias…
Ela caminha ligeiramente adiantada, a minha mão sempre presente ao fundo das costas dela. Entrar com uma mulher assim tão bela, faz com que muitos rostos se voltem na nossa direcção, tanto mulheres como homens, todos a desejam, todos a querem devorar.
Os amigos dela já cá estão, acenam-lhe lá de cima, uma zona mais recatada com mesas e sofás. São simpáticos e divertidos, ela apresenta-me, inclino-me para beijar as raparigas na face, algumas riem outras já de mão estendida, levantam-se e beijam-me a mim. Danço com quase todas elas, ela dança com quase todos eles, mas os nossos olhares cruzam-se vezes sem conta.
–o que te apetece beber? Pergunto ao ouvido, enquanto a minha mão desliza pelas suas costas acima, até à suave concavidade do pescoço.
-Mojitos!
-Mojitos?
-sim, muitos mojitos!
-as suas ordens são um desejo…
Antes de me afastar dela para saciar a sua vontade, agarra-me por um braço e puxa-me, até o meu ouvido estar junto dos seus lábios para me dizer:
-depois quero-te a ti!
E a língua traça a saliva o rebordo da orelha. Estremeço, sinto a pele arrepiar. Preciso mesmo de algo fresco!
Ficamos sentados um bom pedaço, o álcool e o cansaço adormece-nos um pouco, até as línguas começarem de novo a desejar mais, até me apetecer senti-la por fora e por dentro, as minhas mãos já não ficam onde as ordeno, os dedos rasam o decote dela como aves de rapina! E levanta-se, estendendo a mão na minha direcção.
-Vamos? Já não aguento mais…
Entramos no primeiro compartimento despido de vultos. Uma cortina separa-nos do mundo, o desejo separa-nos de tudo. E dispo-me lentamente para ela, sentada e lânguida no sofá. Morde o lábio e prende as unhas no couro. Unhas que me vão marcar as costas, assim que pegar nela ao colo e a possuir contra a parede! E o vestido que cruzava à frente, descruzou-o para mim, também lentamente, e a minha língua cobriu cada centímetro de pele nua do seu corpo que pedia, implorava pelo meu.
A música estridente, sentia-se na batida forte, mesmo assim ofuscada pelo som da respiração e do sangue a correr nas veias. Estava completamente passado com o perfume que ela emanava, excitado, cada músculo tenso para a possuir. Peguei-a pela cintura e penetrei-a, rodeou-me com pernas e braços e levantei-a do sofá encostando-a à parede onde só abrandei o ritmo quando ela se veio. Apesar de ser leve como uma pena, o meu tendão de Aquiles começava a lamentar-se e tive de me sentar. Voltada para mim, sentou-se no meu colo, as línguas escondem-se e encontram-se, ela é insaciável e deixa-me cheio de tesão. Levantei-a e virei-a para ficar de quatro, rabinho levantado para mim, uma visão deslumbrante…e voltei a penetra-la, devagar, muito devagar e bem fundo.
O calor que se fazia sentir era diabólico, a vontade era entrar numa daquelas cabines de duche e acabar lá o que tínhamos começado diante de toda a gente.
Saímos directos para a rua, chamei um táxi e voltamos a casa dela. A vontade não esmoreceu na viagem, as minhas mãos dentro das coxas dela, dentro dela, tocavam-na, mantinham-na em ponto rebuçado, liquida e doce! Voltamos a despir as roupas mais uma vez e entramos na água pela última vez, ela montada em mim, unhas cravadas nos ombros, intenso, longo, até assombroso.
-Tens fome? Vou por uns ovos a cozer…