quarta-feira, 1 de junho de 2011

B de bacalao ou barcelona, tanto faz...

Depois de várias horas em reuniões, imersos em papéis, piadas porcas, e um ar constantemente artificial cuspido pelos ventiladores, resolvemos jantar no Colibrí. Admito que não sou grande fã de comida de autor, ou pseudo criativa…so full of shit! Mas o nosso anfitrião catalão convence-me com o Morro de Bacalao!
Ferran conduz-nos pela Barcelona raiada de vermelho que o pôr-do-sol pintou. O restaurante fica numa rua calma, quase que não se dá por ele, a sala não é muito grande, poucas mesas estrategicamente afastadas, o ambiente é muito selectivo mas agradável.
Somos quatro, Ferran el catalán, Petr o “tcheco” e Jurgen o austríaco! A língua comummente usada é o inglês, mesmo não sendo a língua materna de nenhum de nós. Por vezes Petr e o Jurgen trocam duas de esloveno entre eles, principalmente quando fazem comentários obscenos sobre a muito interessante assistente de Ferran! Incrível como mesmo embrulhado num Ermenegildo Zegna que custou mais do que três mil euros, Petr o Tcheco não deixa de ser um porco e baba-se escandalosamente diante de um bom par de pernas!
Por educação, eu e Ferran raramente falamos espanhol entre nós, e catalã nem pensar que o meu é limitado a meia dúzia de expressões! Corre o boato que Ferran dorme com a assistente.
Saímos do Colibrí bem comidos e bebidos, Ferran sugere uma ida a um clube, não é muito longe dali, entrega-me as chaves do seu muito estimado Mercedes coupé de quatro portas, dizendo que pareço mais sóbrio e que o GPS me leva lá! Entramos por uma porta nos fundos, onde somos recebidos por uma loira de cabelo curto toda ela pernas, num vestido de lantejoulas. A parte de baixo do clube funciona como discoteca, a música electrónica começa a dissipar assim que subimos as escadas para o primeiro andar. Um imenso balcão iluminado numa sala escura, convida a tomar um copo, atrás dele uma morena pouco maquilhada de olhos grandes sorri para nós!
Uma segunda rapariga surge, loira muito maquilhada e entre elas falam um dialecto qualquer que nem mesmo Petr, um perito em línguas, chega a entender o que dizem…”vocês são de onde?” pergunta com toda a lata que lhe é característica! A mais morena é italiana, a loira responde prontamente que é de Marte sem nunca se virar para nós!
Petr olha para mim e pergunta: “o que foi que ela disse?” Marte, respondo. O gajo é um linguista mas começo a achar que não faz ideia de onde fica Marte! Ela acaba por confessar que é de Malta perante a simpatia e charme de Ferran. E Jurgen aproveita para dizer que esteve em Malta uma vez, numas férias com os pais, em 1984…ela ri, e depois diz que nem sequer era nascida em 1984! Apesar de não parecer, tinha pouco mais de vinte anos. Depois foi a vez delas quererem saber de onde éramos, Ferran estava a gostar, divertia-se com a situação, até que soou a palavra português quando se dirigiram a mim, e a italiana não se conteve em dizer que os portugueses eram sem dúvida os homens mais belos! Jurgen atirou logo que eu nem era nada de especial e que até nem parecia português…só quando deixava crescer o bigode! E a rapariga de Marte piscando o olho disse que não conhecia todos os portugueses, mas os que conhecia eram bonitos…e que o sonho dela era casar com o Cristiano! Riram as duas, a italiana num inglês engraçado esclareceu que ela podia ficar com o Cristiano desde que ela ficasse com o Mourinho!
Estava divertida e infantil a conversa quando me levantei e procurei a casa de banho. Ao voltar ao primeiro andar cruzei-me num corredor escuro com una chica guapa que não me era estranha de todo. “Olá Romeu!” Era a assistente de Ferran.
-Olá, o que fazes por aqui?
-provavelmente o mesmo que tu, sabes também tenho uma vida para além do escritório…
-pergunta parva, desculpa, é que não te estava a reconhecer e fiquei surpreendido!
-reparei, tu estás igual por isso para mim foi fácil. Estás sozinho?
-Ferran e os outros estão lá em cima…
-faz-me um favor, não lhe digas que me viste, ok?
-tudo bem, sem problema.
-não é por nada, mas a minha relação com Ferran é apenas profissional e já me basta todos os boatos e comentários ordinários que tenho de ouvir, se nos vêem aqui juntos, de certeza que vai haver conversa para vários meses!
-desculpa a pergunta, mas tu e ele é só boato então?
-claro que sim, ele é amoroso e sem dúvida muito atraente, mas trabalhamos juntos, às vezes fins-de-semana incluídos, e para mim trabalho e prazer não se misturam!
-fico com alguma pena, estava a pensar convidar-te para ir tomar um copo e agora…
Ela sorri e responde o impensável.
-não penses, limita-te a convidar.
-vou buscar o meu casaco então!
Arranjo uma desculpa qualquer, mas também não importa se é pouco convincente, eles estão demasiado distraídos para os lados de Malta! Ela já está na rua à minha espera, oferece-me do maço aberto um cigarro como o que ela fuma, aceito e caminhamos duas ruas até entrarmos num bar calmo, de poltronas confortáveis.
É uma mulher bonita, inteligente e sabe como atrair sobre si as atenções, sem precisar de muitos brilhos ou roupas vistosas. A conversa apimenta-se quando ela diz que gostou do modo como a olhei ainda hoje de manhã, finjo não saber de que olhar ela fala.
-não olhas de um modo nojento, como o checo o faz…tu avalias e despes mas de uma forma agradável, carinhosa…quando o fizeste hoje de manhã, desejei sentir os teus dedos na minha pele e depois, nem sei bem porquê mas não consegui deixar de olhar para as tuas calças e pensar como seria ter-te na minha boca!
Sou apanhado de surpresa, um predador que acaba por se ver na boca da presa! Então proponho irmos até ao meu quarto no hotel e ela sugere irmos antes para casa dela, dizendo que não quer que ninguém saiba que acabamos a noite juntos!
Entramos num táxi, as ruas iluminadas e agitadas passam ao lado, a minha boca procura a pele despida sobre o ombro levemente bronzeado, o pescoço delicado e depois acha a boca dela, doce, quente, ansiosa…

Roubei um cigarro do maço de Fortuna deixado na mesa e passei para o pátio. Protegendo a chama fraca com a palma da mão acendi-o e deixei-me ficar ao frio. Seriam umas cinco da manhã, o sol continuava retido do outro lado do mar e uma chuva que não sendo chuva mas talvez humidade, tocava na pele nua e sobre Barcelona às escuras como uma bênção, limpando ambos dos pecados da noite.

Vento de leste, nada de bom se avizinha.

Voltei à cama onde o corpo quente dela repousava, num sonho tão distante que nem deu pela minha presença, aproximei-me dos cabelos claros e mergulhei o rosto fechando os olhos, e por momentos senti o cheiro de férias passadas à beira mar, de um piquenique na mata e resina de um pinheiro, o cheiro de longe, de dias felizes. Dormi mais uma hora.

Voltamos a ver-nos no escritório, demora-se quando passa por mim, trás um decote ainda mais desafiante e dispo-a com o olhar como ainda ontem fiz, mas desta vez já conheço o que esconde aquela blusa, aquela saia justa que não chega aos joelhos. Não se inibe de esboçar um sorriso e finta-me com o olhar. Quando Ferran sai, Petr volta à conversa e aos comentários. Desta vez não me contenho e digo-lhe que é falta de educação falar uma língua que as outras pessoas que estão na sala não entendem, sendo ele tão bom no espanhol quanto no inglês… ele pede desculpa com ironia, dizendo que apenas comentava com o amigo o clima inconstante da Catalunha! Estou capaz de o desfazer, mas contenho-me dobrando parcialmente a esferográfica na mão, quase ao ponto de a partir! Ela sai da sala sem saber bem o que fazer, o clima é tenso e ficamos os três sozinhos.

Jurgen estica-se sobre a mesa e sussurra na minha direcção depois de ter olhado para a porta:
-então, que tal? é boa na cama? O Ferran sabe que a comeste?
-como?
-julgas que não vi como te olhou mal entraste? E aquela boa disposição dela…ainda ontem estava de má cara…
-não sei onde foste desencantar essa teoria fantástica!
Petr está de boca escancarada como se isso ajudasse o seu pobre cérebro a funcionar! E Jurgen continua, depois de olhar para a porta certificando-se que Ferran ou a assistente não aparecem.
- Bem que achei estranho o teu desaparecimento ontem, tinha de haver algo mais comestível…Teve o tratamento de boa disposição à portuguesa?
E ri o desgraçado. Só não lhe parto o focinho porque as consequências seriam demasiado drásticas. Petr ainda não fechou a boca e não o faz sem antes dizer:
-Fodeste a assistente de Ferran???
E Ferran acaba de entrar na sala, mesmo a tempo de ouvir a ultima frase tão bem pronunciada!
-importas-te de chegar aqui, Romeu?

Entramos noutro gabinete ao lado e fecha a porta. Esfrega o queixo bem barbeado antes de falar, procurando nas paredes atestadas de quadros sem qualquer significado, as palavras certas.
-nem sequer me vou dar ao trabalho de confirmar se o que acabo de ouvir é verdade ou não.
-escuta Ferran…
-não digas nada Romeu, peço-te que não digas nada e me deixes acabar…E pela tua expressão já vi que me confirmas o que ouvi! Homem, somos amigos há tantos anos, confio-te o meu carro, confiava-te a minha casa, a empresa, a minha vida…e tu fazes isto? Estás doido? Tu já viste no que me foste meter? Quer dizer, deixas-me entre a espada e a parede, ou mando-a embora ou a nossa sociedade acaba…com que cara vou encara-la? E os outros?
-Ferran, desculpa lá mas estás a ser um pouco naife…Podes confiar-me o teu carro, a tua casa, qualquer bem material, até um contrato, uma sociedade, um aperto de mão vale a minha palavra, mas uma mulher? Até a tua irmã eu comia, a tua mãe se me apetecesse, a tua esposa se tivesses uma…

E saio porta fora, deixando Ferran num tom branco inexpressivo. Ao atravessar o corredor ela está junto à porta do gabinete, de olhos preocupados esperando ver nos meus uma expressão, e sem contar encosto-a à parede e beijo-a, abraçando-a por inteiro, como se a quisesse esconder do mundo e absorve-la num beijo! Todo o meu corpo sente o dela e faz com que ela sinta o meu por inteiro…”até qualquer dia Julieta!”

Sem comentários:

Enviar um comentário