quinta-feira, 9 de junho de 2011

A de aniversário, aquisição, alvarinho e de algo mais

Abre o embrulho pesado em cima do balcão da cozinha.
-Uma caixa de duas quintas, e de noventa e seis…Romeu tu sabes agradar!
-Espero que esteja bom.
-De certeza que está delicioso como tu. És um querido, obrigado por teres vindo, vou buscar um decanter, abre já uma…Já me esquecia de te dizer a Maria deve de estar ai a chegar…
-Vamos voltar à mesma conversa de ontem?
-Não precisas de ficar chateado, estas situações não te costumam afectar…que se passa meu querido?

A conversa que tivemos ontem ao almoço nunca se afastou muito sobre o meu encontro com a Maria, evitei a todo o custo comentar o que aconteceu naquela noite, apesar da insistência da Ju. Na altura em que o café chegava à mesa, ela voltava ao ataque.
-Tu não queres falar do que aconteceu mas olha que ela não se inibiu…não disse muito é certo!
O café é extraviado para a laringe por falha da epiglote, tusso compulsivamente, vou a tempo de apanhar um jacto no guardanapo!
-Tás bem? Pergunta com um ar de gozo na expressão.
-Ela disse que eu era fraquinho na cama?
-Sim, normal assim para o fraquinho, nada de extraordinário, até fiquei admirada e perguntei se estávamos a falar do mesmo garanhão!
Odeio essa expressão e a sensação de uso que ela me deixa. Odeio esta conversa e todos os contornos que ela toma. Mudo de assunto como quem procura uma saída, pergunto o que quer de prenda de anos.
-Um colar de diamantes!

Apesar de não estar o tempo de ontem, até se está bem junto à piscina, o céu encoberto ameaça chuva por isso improvisou um toldo suspenso por cima da mesa. A aniversariante está deslumbrante num vestido fresco e descontraído que pede um passeio de iate!
-Tão típico teu oferecer vinho a uma mulher!
-É para que não te esqueças do valor da idade, do amadurecer…
Ela ri alto como sempre faz, balançando o copo de tinto na mão.
-Ainda bem que lembras isso, anda cá, vou-te apresentar a minha mais recente aquisição…
Aquisição no vocabulário da Ju é uma conquista, um namorado, coisa que eu nunca fui nem tive intenção de algum dia ser. Dentro da piscina lá está a “aquisição”, parece um puto que acabou o secundário, levanta-me o braço de mão aberta à espera de algum cumprimento “porreiro”, limito-me a um esgar e mantenho as mãos nos bolsos, vou lá molhar a minha imaculada camisa!
Depois apresenta-me uma morena lindíssima, madeixas curtas e olhos escuros, toda ela curvas bem delineadas, mas com ela a namorada, uma Sílvia.
-Tu não te deves lembrar da Sílvia mas ela lembra-se de ti…
E desatam à gargalhada as três…a Sílvia é a terceira amiga que estava a tomar chá, naquele fatídico dia em que me lembrei de enviar a foto à Ju! Mais um momento memorável na minha vida!

É usual acontecer, quando penso que pior não pode ficar, logo a seguir fica. A Maria chega, e vem acompanhada, e mal somos apresentados, o idiota faz uma piadinha com o meu nome. Já estou habituado e normalmente a resposta mora na ponta da língua, mas não sei porquê não saiu nada, limitei-me a um sorriso amarelo. O almoço só não foi pior porque a comida estava deliciosa e um alvarinho bem fresco escorregou-me nos sentidos. Mas a Ju não desistiu das suas intenções e começou a fazer tudo para que eu ficasse sozinho na cozinha com a Maria, pedindo aos dois se não nos importávamos de ir buscar a sobremesa. O regresso rápido ao jardim, fez a Ju perder a paciência, depois do café puxou-nos à cozinha sem pretexto e acabou por confessar que tudo o que me tinha dito era mentira, que a Maria nunca lhe contara nada sobre aquela noite…
Fiquei furioso e sai porta fora, sem dar hipóteses dela se explicar, senti que a Maria me seguia, segurou-me pelo braço.
-Tem calma, eu não sei ao certo o que foi que ela te disse, mas é o feitio dela e de certeza que não o fez por mal…

Contei-lhe tudo, enquanto caminhávamos junto à praia. Ela riu.
-És um tolo, achavas mesmo que eu ia dizer uma coisa dessas?
-Sei lá…
-Eu gostei muito daquela noite, e tenho a certeza que tu também gostaste…vou ser muito sincera contigo, tinha uma ideia completamente errada de ti. Quando te vi no supermercado não resisti em provocar-te, achava que te ias armar em Don Juan mas reagiste de uma forma que me surpreendeu…não estava nada à espera, ficaste perdido, retraído! Mas contigo nunca se sabe, pois não? No bar quando te dirigiste a mim, estavas lá em cima, seguríssimo de ti e dos teus encantos…
-Nunca estou seguro contigo.
-Já deu para perceber…vamos voltar? Estou a ficar com frio.
Tiro a camisa e ela veste a pele arrepiada dos braços.
-Tens um escaldão. Diz enquanto passa os dedos no meu pescoço.
Beija-me a pele vermelha, beijos ternos, em bicos de pés continua a subir pelo pescoço até à boca.
Voltamos a casa e nem dão pela nossa entrada por uma janela de correr ligeiramente aberta no jardim da frente, ela devolve-me a camisa e ao chegarmos ao hall  puxo-a para as escadas.
-Tás louco!
-Anda...
-Nem penses, Romeu...
E beijo-a, pendurado três degraus na escada com balaústre em madeira. Um beijo demorado, só de lábios amarrados em lábios. E ela segue-me escada acima. Entramos num dos quartos de hóspedes, famintos pelos lábios, dedos, célula por célula dependente do desejo de ter o outro.

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