sábado, 5 de novembro de 2011

knockout

O primeiro golpe acertou-me na cara, senti a dureza dos nós dos dedos calejados de socarem, embaterem no meu maxilar barbeado. Desequilibrei-me mas não cheguei a cair.
Estava a sair do elevador quando um tipo de dois metros se aproximou a perguntar se eu era o Romeu. Nunca pensei que era o marido da minha secretária, aquela que eu andava a comer… nem sabia que ela era casada, muito menos com um gorila. Uma mulher daquelas!… esperava que tivesse melhor gosto.

O sabor do sangue inundou-me a boca em segundos. Amaldiçoei de imediato a honestidade da minha resposta… Se um gajo de dois metros de altura e três metro e meio de envergadura pergunta se somos fulano tal, era fácil de responder… “não conheço, não faço ideia quem seja esse palhaço!”.

O segundo golpe foi cirúrgico, ainda estava a recuperar do primeiro e ele já me assentava mais um na zona entre o fígado e a costela flutuante. É uma dor difícil de descrever, ou que se descreve simplesmente por ser a DOR… agonizante… começa num pico e estende-se por tempo indeterminado. Sustive a respiração, os joelhos cederam e levaram-me ao chão. “Knockout” gritou o árbitro ao centro do ringue enquanto eu ia ao tapete. Cerrei os dentes para conter um lamento em frente de todo o departamento criativo do sétimo andar.

O armário com pernas chamou o elevador e pôs-se a andar sem que ninguém ousasse bloquear-lhe a saída... Foi nesse momento que tive a confirmação que não era propriamente adorado! Cuspi o sangue que me ia enchendo a boca e certifiquei-me que os dentes ainda estavam no sítio. A sensação que tinha era que metade da cara tinha viajado até ao extremo do piso, embatido na parede de betão e voltava em ricochete pela violência do impacto, e à medida que a dor abdominal se ia tornando mais ténue, todo o lado esquerdo da face duplicava o volume. Sentei-me para analisar a situação, aos poucos a respiração normalizava, mas continuava dobrado. Tinha sangue espichado pelo casaco cinza claro e na camisa branca.

Uns saltos em pele de cascavel pararam ao meu lado comunicando que a reunião se mantinha para a mesma hora. Se ela usasse uma capa negra ondulante pelas costas, não a distinguia do Lorde Darth Vader. Eu continuava no chão, no meio do átrio dos elevadores, de orgulho espezinhado. Depois acrescentou que já tinha ligado para os recursos humanos, até contratarem alguém para o lugar, a assistente dela acumulava o meu secretariado.

-Sabes se é casada? Perguntei…
-Não sou casada, mas sou cinturão castanho em judo… respondeu assertiva uma voz atrás de mim. Voltei-me, uns saltos mais modestos seguravam umas longas pernas esculturais até se perderem de vista num vestido curto. A custo levantei-me para a cumprimentar.
-Castanho é antes do preto?
-Castanho é antes do negro… Respondeu num tom sério que condizia com o seu aspecto disciplinado, cabelo apanhado num rabo de cavalo, e estendeu-me um saco com gelo. -E aviso já que escusa de desperdiçar o charme comigo…

A cascavel Darth Vader estava simplesmente siderada, rejubilava no seu mundinho, tentando a todo o custo esconder os sinais orgásticos que toda aquela situação lhe provocava. As suas calcinhas rendadas, visíveis pela justeza da saia, deviam estar encharcadas…. Soltou um risinho maquiavélico, perguntei-lhe de que parte do corpo tinha tirado a pele para fazer os sapatos… Ainda hoje não entendo se sente um fraquinho por mim, ou se me odeia com todas as suas forças.

Dez minutos depois a assistente de pernas longas batia à porta do meu gabinete, estava a trocar de camisa quando entrou com as pastas da campanha.
-Quer que volte mais tarde?
-Não me diga que não está habituada a ver homens em tronco nu no judo?
-Isso está feio… disse apontando para a zona abaixo da ultima costela, mudando o rumo da conversa. -Pode ter partido, talvez seja melhor ir ao médico…
- Se estivesse partido era capaz de ter mais dores…
-Por acaso tem ar de quem está com dores, está meio inclinado para a direita… posso ver?
-Estou sempre inclinado para a direita, é para compensar o peso que está mal distribuído… Ela corou pela minha provocação e depois sorriu.
Tocou-me, primeiro com delicadeza, depois tentou sentir a costela e contive-me para não demonstrar as dores.
-Não parece partida, é melhor fazer um pouco de gelo… vou buscar outro saco.

Deitei-me no sofá e fechei os olhos, finalmente sabia o que sentia uma pessoa que acabara de ser atropelada por um camião… devo ter adormecido por uns instantes porque não dei pelo seu regresso. Só senti os dedos passearem pelos meus lábios, e depois os lábios dela, entreabertos permitindo que a minha língua entrasse curiosa e gulosa pelo sabor da sua boca.

Nos corredores já se faziam apostas… quanto tempo é que ela ia aguentar!
Uma semana depois do espectáculo de luta livre no átrio dos elevadores, uma nova funcionária com setenta anos ocupou o lugar da minha secretária… e outra ligeiramente mais nova foi substituir a assistente da chefe cascavel, que ainda não tinha recuperado do susto e bufava por todos os lados. A minha influência junto da administração permitiu que aquele belíssimo par de pernas continuasse na empresa, mas noutro departamento, noutro edifício, longe dos meus impulsos… mesmo depois de termos sido surpreendidos pela chefe na sala de reuniões, a experimentar a mesa nova!

Lá se vão as apostas!