Desde que mudei da sala para o quarto, que é raro ele sentar-se em mim. Fui substituída por um conjunto de três sofás novos em pele gasta, Chesterfields segundo os ouvi dizer, numa pronúncia afectada. Um estofo mal encarado e duas poltronas gémeas mais magricelas, diria até anoréxicas, ocupam agora o local de destaque. Acho que até tive sorte, o gigante pachorrento de quatro lugares com quem partilhava o espaço e divertidos momentos, foi levado por homens pouco simpáticos e que cheiravam a sovaco. O meu dono ficou a coçar a barba ao ver-me elevada e a ser transportada porta fora, e decidiu que não estava preparado para se despedir de mim e que cabia num canto no quarto, onde agora posso ficar a admira-lo enquanto adormece!
Mas confesso que tenho saudades das noites que passávamos juntos, em que ele procurava inspiração na largura dos meus braços, enquanto apreciava uma cigarrilha intercalada por um gole de whisky. Por vezes ainda se senta em mim para ler um livro, ou com o portátil pelas pernas, coloca uma manta clara quando anda quase nu, não me concedendo o prazer de sentir a pele dele directamente na minha, aquele calor que emana, tão vivo, impetuoso. Mas pelos vistos isso deve incomodá-lo!
É um bom dono, ofereceu-me um candeeiro de pé por companhia com quem jogo a adivinhar formas nas nuvens que se desenham na janela, e sombras que pairam no quarto, e não tem gatos de garras afiadas, ouvi dizer que são terríveis, deixam-nos furados até às entranhas.
No entanto, se eu possuísse uma cauda como o cão da vizinha do quarto andar, não era a ele que eu mostraria a minha felicidade por o ver, agitando-a num louco frenesim, mas sim a uma das suas amigas. Uma loira de fartos caracóis e perfume caro que me adora, e sempre que vem cá a casa, nem passa pela sala como acontece com a maioria das visitas, atrevo-me a dizer que nunca se sentou nos sofás antiquados de pele gasta. Assim que a sua voz rouca entoa no hall, já estou em sobressalto, as minhas molas estremecem de ansiedade!
Usa vestidos curtos, muito justos a um corpo sensual, libidinoso, e ele segue-a para o quarto, e eu espero pelo momento, em que o meu couro castanho estica, a madeira aglomerada palpita, as costuras quase rebentam de emoção, ele abandona-se em mim, sem se preocupar com mantas ou colchas, e ela coloca-se de gatas aos pés dele, não sei o que lhe faz, o rosto dela desaparece pelo seu ventre, mas deve ser bom porque ele fecha os olhos e inclina a cabeça para trás, e sinto a sua nuca em mim, no meu encosto, o seu cheiro a homem, as mão grandes tensas sobre os meus braços… como é bom!
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