terça-feira, 10 de janeiro de 2012

famigerado sortudo...


Quando ela gritou naquela pronúncia doce da Maia: “quem está a seguir?! “Olhou para mim e eu não reagi de imediato. Ainda me encontrava amarrado ao mastro, hipnotizado pelo seu canto. Senti uma cotovelada da velhinha ao meu lado, agitada pelo frenesim típico de um domingo de manhã. Fiz o meu pedido, quatro solitários pães bem cozidos e avancei na fila, quando ela se voltou, mantendo a mesma energia que me deixara cativado desde o primeiro momento, o olhar voltou ao sítio onde eu já não estava, ocupado agora por um sexagenário de pêlos a saírem pelo nariz, deixando-a meia desorientada, acenei-lhe no início da fila: estou aqui! Querendo antes ter dito, aqui me tens, sou Romeu e todo teu! O rosto dela enrubesceu, e se eu já a achava uma deusa, o impulso foi prostra-me a seus pés, implorar um beijo daqueles lábios, beber um pouco daquele mel. 

“É só?” Disse estendendo o famigerado saco do pão. Deu-me o troco sem desfazer o sorriso, desejando um bom domingo. Seria se ela o passasse comigo. Os domingos são solitários, os piores dias da semana, toda a gente tem onde ir, ou levar os miúdos à piscina, receber a família em casa, ir à missa… não há copos, amantes, noitadas de jogo… 

Mas aquilo que eu via estampado no rosto dela era algo diferente, quase raro nos dias de hoje, tão raro que me deixava desarmado, rendido, insano, completamente embriagado. Aquilo era amor… pura paixão, daquela capaz de mover montanhas, derrubar governos, a cura para todos os males… lá porque raramente o sinto, não penses que não o distingo… Meu Deus, pensei, há um sortudo que é somente a razão de toda aquela luz… um homem merecedor daqueles lábios, que habita em constância o seu pensamento, e que a leva a manter um sorriso, um olhar de brilho intenso, perfume inebriante, ansiosa pela hora em que sai do serviço e o encontra à porta, pacientemente à espera, mãos suadas ansiosas, que se escondem nos bolsos.

A cada pedaço de pão penso nela… vai ser um domingo cinzento, espero que pelo menos chova.

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